Quem não curte uma boa música nostálgica? Em seu segundo álbum de estúdio – Future Nostalgia -, a cantora inglesa Dua Lipa mergulha no disco music, popular nos anos de 1970 e 1980, com a intenção de criar uma vibe nostálgica, mas ainda eletrônica e futurística. Lançado no dia 27 de março de 2020 pela Warner Records, o projeto é aclamado pela crítica – com a incrível nota 89 de 100 no Metacritic. Já a promoção, até o momento dessa resenha, vem sendo feita a partir de 3 singles oficiais: “Don’t Start Now”, “Physical” e “Break My Heart”.
Como inspiração para o álbum, Dua Lipa comentou que ouviu artistas como Madonna, Gwen Stefani, Moloko, Blondie and Outkast. Além disso, ela afirmou que o álbum mistura elementos de banda ao vivo com uma produção eletrônica moderna. Ou seja, um mix de produções antigas (nostálgicas) com novas. De fato, uma nostalgia futurística.
A produção estava prevista para ter sua estreia em 3 de Abril de 2020, porém, com medo de lançar música durante a pandemia do coronavírus, a cantora decidiu adiantar o lançamento em uma semana – para o dia 27 de março. Outro motivo para tal adiantamento foi o fato do álbum ter vazado na internet, o que poderia afetar, obviamente, as vendas ou o stream do projeto inteiro.
A intenção de Dua Lipa com este álbum foi de sair de sua zona de conforto, e de desafiar a si mesma para preparar produções que pudessem ser comparadas com suas favoritas músicas do pop clássico do século passado. Ah, tudo isso somado com a intenção das faixas soarem como algo atual e condizente com a personalidade dela mesma. Pode parecer confuso, quase impossível, mas ela queria músicas atemporais – e dançantes!
Dua Lipa trabalhou muito pra tudo isso: foram gravadas quase 60 canções durante a produção do Future Nostalgia. Contudo, a tracklist conta com somente 11 faixas:
1 – Future Nostalgia
2 – Don’t Start Now
3 – Cool
4 – Physical
5 – Levitating
6 – Pretty Please
7 – Hallucinate
8 – Love Again
9 – Break My Heart
10 – Good In Bed
11 – Boys Will Be Boys
Musicalmente, o álbum Future Nostalgia passa por estilos como pop, disco, eletrônico/house, dance-pop, pop sintetizado, funk e – por causa do estilo vocal de Dua Lipa – R&B. Apesar do passeio por diversos sons, que nem são tão distintos, o foco do álbum está no misto do disco music com o eletrônico.
Por isso, ao ouvir o projeto todo, a coesão da sonoridade é inegável. A artista realmente escolheu uma inspiração e um objetivo, e desenvolveu tudo em cima disso. De fato, ela soube o que quis e estava bem decidida de tudo isso. Até mesmo os videoclipes e as imagens de divulgação do álbum estão dentro do conceito. Já liricamente, o álbum aborda temáticas como superação de um coração quebrado, empoderamento feminino, sensualidade e emancipação.
A música de abertura – e também faixa-título -, “Future Nostalgia”, fala sobre se divertir e não levar você mesmo com muita seriedade. Além disso, aborda o empoderamento feminino, notável por versos em que Dua Lipa fala “eu sei que você não está acostumado com uma mulher alfa”. Inclusive, a partir desse verso específico, a cantora comentou que ela não quer dizer que é a primeira e única mulher alfa, mas que a letra fala sobre ela e todas as grandes mulheres que a inspiraram a ser quem é hoje.
A sonoridade da faixa passa pelo pop e eletrônico com influências no disco e funk, e um instrumental meio diferente e experimental. Em alguns momentos, ela canta com voz falada, algo semelhante ao que Kesha faz.
Em sequência, vamos para o primeiro single do álbum, “Don’t Start Now”. Através de uma mistura de disco, pop e dance, a música aborda a superação de um relacionamento. Naquele momento em que você finalmente consegue superar, mas a pessoa, te vendo numa situação melhor, decide se voltar rastejando. Como a letra da faixa te recomenda agir neste caso? Só seguir em frente e não deixar ninguém atrapalhar o seu momento.
A faixa arrancou elogios da crítica e conseguiu sucesso em vendas, se tornando o sétimo Top 10 da artista nos singles do Reino Unido e o primeiro Top 3 dela na Billboard Hot 100 dos Estados Unidos.
Uma curiosidade: “Don’t Start Now” foi feito pela mesma equipe que fez “New Rules”, o grande sucesso que tornou Dua Lipa famosa.
A terceira música, “Cool”, é uma balada em forma de pop sintetizado com influências em Prince, que fala sobre conhecer alguém que te faz ficar todo bobo. Uma canção romântica ideal para ouvir no carro a caminho de uma praia. Queria estar fazendo isso, inclusive haha.
Dua Lipa fala que se divertiu muito trabalhando com Tove Lo para compor “Cool”. O processo de produção, de acordo com a cantora, teve muitas experimentações até mesmo vocalmente. A artista fala que usa nesta faixa partes de sua voz que nunca havia testado anteriormente, o que vai de acordo com o que comentou sobre querer sair da zona de conforto para fazer esse álbum.
Em “Physical”, Dua Lipa quis criar uma faixa que, quando começasse a tocar numa festa, a galera se animasse tanto que falaria “ok, agora vamos fazer shots”. Musicalmente, combina perfeitamente com a temática retrô/nostalgia do álbum, utilizando-se do pop sintetizado popular nos anos de 1980. Liricamente, a canção mostra a cantora se sentindo tão viciada em seu novo amor, que não consegue dormir ao lado dele: ela só quer se pegar e transar. Ahh, e a letra – e título – fazem menção ao famoso hit de 1981, “Physical”, de Olivia Newton-John.
Dua Lipa comenta que ama fazer músicas que são dançantes, mas que as letras são tristes. Isso é diferente no caso de “Levitating”. A faixa é feliz, divertida e beeem dançante. Ela fala sobre conhecer alguém no momento perfeito e se apaixonar, ficando tão feliz e leve ao ponto de sentir que está levitando. Um amor que te faz “levitar”.
É definitivamente um destaque para o álbum. Por meio da sua sonoridade disco, funk e sintetizada, Dua Lipa te convida para uma viagem pela galáxia – o que pode ser um pouco literal, já que a letra faz várias menções a termos do espaço sideral como via láctea, marte, foguete, estrelas, entre outros.
O primeiro momento no álbum em que você consegue parar para respirar um pouco, principalmente depois de 5 músicas dançantes, é com “Pretty Please”, a sexta faixa. Apesar de soar mais calma e menos cheia (caso compare com as músicas anteriores na tracklist), a letra é o contrário. A música fala sobre prometer a alguém – ou você mesmo – que será realmente calmo e de boa no começo de um relacionamento, mas depois perceber “é, eu não sou assim”. Considero uma das faixas mais experimentais do projeto. O instrumental é bem diferente em alguns momentos, dá até pra ouvir algo semelhante a um triângulo no meio de tudo.
Voltando para faixas bem animadas e dançantes, “Hallucinate” é uma faixa dance bem inspirada nos anos 1990. A artista comentou que gosta de imaginar como as suas canções soariam quando ela as tocasse em festivais. No caso de “Hallucinate”, Dua Lipa sabia que não poderia deixá-la de lado em festivais.
A letra é simplesmente sobre viver uma grande paixão que te faz endoidar quando o amado fala o seu nome. O instrumental também segue esse conceito, porque explode no refrão, como se endoidasse junto com a cantora.
Em “Love Again”, através da vibe dance-pop mais calma, Dua Lipa canta sobre um relacionamento que não deu certo. A cantora afirmou que escreveu a faixa quando sentiu que estava no fundo do poço, e fazer e ouvir a faixa foi como dar a si mesma um abraço e uma faísca de esperança de que um dia iria amar novamente. Por isso, para Dua Lipa, fazer música funciona como uma terapia.
Devido à vulnerabilidade e à emoção relacionada a faixa “Love Again”, a cantora afirma que a canção é, provavelmente, a sua favorita de todo o projeto. Também considero uma ótima canção e, meu Deus, os violinos nela são maravilhosos.
“Break My Heart” é um perfeito exemplo de “chorar na pista de dança”. A canção é sobre finalmente estar se sentindo feliz e, no meio disso tudo, conhecer alguém fantástico, mas pensar: “caramba, como isso é maravilhoso, mas e se isso acabar e eu quebrar meu coração?”. Uma dose de pensamento intrusivo com uma pitada de auto-sabotagem.
Apesar da reflexão e da negatividade, a música é um disco, dance e pop bem animado e dançante. De fato, outro destaque para o álbum. Ainda, mesmo com influências bem retrôs, a produção da faixa é moderna – nostalgia futurística que chama, né?
Chegando perto do final do álbum, temos “Good In Bed”, em que Dua Lipa canta sobre um relacionamento que se mantem somente por causa do sexo top. No refrão, a cantora usa uma melodia com algumas “desafinações” propositais que podem soar mal quando você ouvir. Devido a esses vocais, ela se arriscou e saiu da zona de conforto mais uma vez, mas provavelmente usou das desafinações com a intenção de dar um tom mais brincalhão e divertido para a canção. “Good In Bed” pode ser definida como uma música funk-pop, podendo ser comparada melodica e instrumentalmente a algumas produções de artistas como Lily Allen e Lizzo.
A faixa final, “Boys Will Be Boys”, age como uma iniciadora de conversas sobre as dores de crescer e de viver sendo uma mulher. Musicalmente, a canção usa violinos, coral e um instrumental numa vibe bem clássica, o que pode classificá-la como uma balada de pop barroco. No refrão, é entoada a seguinte frase:
Boys will be boys
But girls will be women
Garotos vão ser garotos
Mas garotas vão ser mulheres
Por meio da música, Dua Lipa subverte a frase “boys will be boys” que vem sendo utilizada há séculos como uma desculpa para os homens serem violentos, sexistas, ou qualquer outro comportamento inaceitável, simplesmente porque eles são homens e isso faz parte do que significa “ser homem”. Uma maneira dizer que é normal e ok ser um babaca. Parece também uma atitude preguiçosa de só se conformar e não educar os garotos serem humanos melhores.
Com “girls will be women”, a cantora pode se referir a ideia de que garotas amadurecem mais cedo que os garotos. Contudo, também pode ter relação com o fato de que garotas são forçadas a crescer antes dos meninos. Dua Lipa canta na faixa o quão comum são preocupações como ir para casa antes de ficar escuro demais, ou até mesmo botar as chaves entre os punhos – como se fosse Wolverine – para poder se defender ou fugir de algumas situações envolvendo homens. É triste como várias dessas preocupações são comuns para mulheres, desde bem novas. Por isso, a cantora fala sobre como deseja uma sociedade em que todas possam viver e curtir a vida sem esse peso, algo que os garotos já vivenciam normalmente.
Para Dua Lipa, “Boys Will Be Boys” é uma faixa que pode proporcionar conscientização ou conversas. Talvez através dela os meninos possam entender um pouco de o que é ser uma garota. Já deixo claro que sou homem, e falo isso tudo sem minha própria experiência de vida, mas sim pelas falas da cantora.
Não é uma canção com a intenção de ofender ou apontar dedos, mas a artista quis que as letras fossem mais diretas – com alguns versos curtos e grossos – para que afetasse de maneira mais forte os ouvintes, com a esperança de que possa acontecer algum tipo de mudança. Além disso, a faixa também pode servir para garotas poderem se reconhecer e conversarem sobre.
Dua Lipa pode não querer ofender ninguém com a letra, mas como diz na música:
If you’re offended by this song
You’re clearly doing something wrong
Se você está ofendido com essa música
Você claramente está fazendo alguma coisa errada
Por fim, a cantora comentou que queria começar o álbum com a faixa “Future Nostalgia” e terminar com “Boys Will Be Boys” porque ambas carregam empoderamento e força, além de mostrarem dois diferentes lados do feminismo: confiante por dentro – sabendo que é uma “mulher alfa” -, mas também consciente dos riscos que a rodeiam.
Chegando ao final dessa resenha afirmo: é um álbum da p*rra. O projeto todo é coeso e com um conceito bem definido e delimitado, além de ter sido produzido e entregue com alta qualidade, ao nível do que foi planejado.
Dua Lipa ganhou o Grammy de artista revelação devido ao seu primeiro álbum, e existe atualmente uma “maldição” de que os vencedores desse prêmio somem ou não conseguem chamar mais tanta atenção depois de ganhar o prêmio. Pois é, meus amigos, a artista se forçou a sair da zona de conforto, tanto a respeito de estilos musicais como também ao uso de sua extensão vocal, o que já vem mostrando que ela não vai ser uma pessoa de “15 minutos de fama”. Anotem: esse álbum vai receber umas indicações para o próximo Grammy.
Ouvir todo o projeto do começo ao fim foi uma ótima experiência para mim, fiquei surpreso com a qualidade da produção e a criatividade para a diversificação dos instrumentais. Por ser curto – só 11 faixas, o álbum não dá muito espaço para você ficar entediado e ainda facilita a coesão, mas ainda sim é meio triste porque acaba rápido.
Há várias pegadas experimentais e diferentes, meio inesperadas, o que nem sempre pode soar bem na primeira escutada, mas o fato de tomar riscos é uma grande qualidade para a artisticidade da cantora. Definitivamente a vejo com outros olhos devido a isso.
Apesar da promoção ter sido afetada por causa do surto pandêmico do Coronavírus, Dua Lipa arriscou ao antecipar o lançamento do projeto, o que não deve afetá-lo tanto, já que é uma artista que tem sua venda, quase que em totalidade, voltada para o mundo do streaming. É, dá pra ouvir e curtir tudo sem sair de casa, ainda dando muitos streams para esse álbum top. Já estou adicionando várias faixas na minha playlist da academia e do meu dia-a-dia.
Mesmo gostando do álbum por completo, deixo aqui as minhas favoritas do projeto: “Future Nostalgia”, “Don’t Start Now”, “Cool”, “Physical”, “Levitating”, “Love Again”, “Break My Heart” e “Boys Will Be Boys”.
Então, fiquem em casa e curtam essa vibe nostálgica futurística!