Além das palavras

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Mais um dia cansativo na vida de Carina. Ela deixou sua bolsa no sofá assim que fechou a porta. Subiu as escadas como uma morta-viva, implorando por um fugir da realidade. Tinha cerveja na geladeira, mas ela queria ler, escapar daquele mundo, esquecer dos seus tormentos.

Lembrou-se do romance de época que ganhara de Sarah, não era seu estilo, preferia histórias com aventuras. Seu coração gostava de emoção, de ter a vida em perigo, na ficção, funcionava bem.

Foi direto tomar o banho antes de ir para o quarto. Limpou-se depois de doze horas de trabalho, uma luta diária que os juízes trabalhistas iriam enlouquecer. Essa era a vida de Carina e ela estava acostumada com a sobrecarga diária.

Saiu do banho enrolada em uma toalha com os cabelos longos e loiros molhados, ignorando os pingos que caíram no carpete até o quarto. Trocou de roupa, colocou seu pijama favorito da série “Áries” com o rosto de Dismon, o músico da rainha. O tecido era macio e Carina amou quando pulou na cama, seu corpo relaxou no mesmo instante. O peso do dia saiu de suas costas pedindo por férias, algo que só teria em seus sonhos.

Olhou para a mesa de canto, onde descansava o livro de Sarah. A textura da capa parecia de veludo em um tom vermelho, chamava atenção mesmo se estivesse só com a lombada à mostra na estante. Ela o pegou, desejando sair do seu mundo, como gostava de fazer quando estava sonhando.

Abriu-o onde parou e leu as páginas com velocidade, a história a fez se imaginar na Inglaterra no século XIX com carroças, chão de pedras e casas antiquadas. Até o ar era diferente, Carina os sentia com detalhes, assim como o frio londrino, estava para chover a qualquer instante.

O chá era vital para sua vivência, as gotas serviam como fonte de ânimo pela manhã. Sra. Barros diariamente deixava minha xícara na cabeceira e saía do quarto em silêncio. Às vezes, Carina não notava a presença dela, o cheiro do chá era o único alarme matinal que ela tinha.

Tateou os lençóis finos da cama em busca do livro espesso que ficou ao seu lado durante à noite. A ponta dos dedos sentiu a transição do algodão para o papel, as folhas estavam viradas para cima exatamente no local onde parara. Alcançou-o com um leve impulso, por infortúnio do destino, acabou o derrubando no chão. Imaginou que as páginas estivessem dobradas após a queda, o medo a fez saltar da cama e quase derrubar a xícara que ainda a aguardava.

Os pés nus tocaram a madeira fria, o único momento do dia em que ela estava assim. As cortinas fechadas impossibilitavam que pudesse ver o que estava diante de Carina, era a primeira vez que dormiu no quarto de hóspedes, as reformas que decidiram insistentemente fazê-la declinar o cômodo principal por um mês. Parecia um preço justo a ser pago, se queria tanto ter uma vista para o jardim, ficar em um quarto mais simples valeria a varanda escandalosa. 

Muitos dos seus objetos estavam ali, como o vestido que iria usar pela manhã. Escolhido pela Sra. Barros, a imagem era marcante no tom azul-claro. O bordado nas extremidades embelezava o conjunto da mesma forma que o laço dourado na cintura. Fechado até o pescoço e os pulsos, a peça cobria todo o seu corpo, exceto pela cabeça. O frio da cidade naquela época do ano era cruel para damas, ela precisava manter a etiqueta independente da temperatura.

Temeu com a possibilidade de desmaiar pelo tamanho do espartilho, era francês e parecia muito menor do que seria aceitável para seu tórax. Ao menos não sairia de casa para não passar vergonha em público, seria inaceitável desmaiar em público, Carina tinha uma imagem a zelar na vizinhança.

Quase deu um grito de vitória quando os pés encontraram o livro. Pegou-o empolgada, voltando para a cama em um pulo. Uniu-o junto ao peito, fitando o teto pintado à mão. Não o enxergava, mas sabia onde estava cada anjo e flor, tudo fora registrado em sua mente há anos. Ela gostava de visitá-lo quando sua tia-avó voltava de Sussex.

A obra de arte era um de seus confortos favoritos na Grand Village, assim como treinar com a espada do pai no jardim. Escondido, claro, seria inaceitável que um escândalo como esse chegasse aos ouvidos dos outros, seria uma vergonha para a sociedade londrina. E Carina não estava disposta a ficar meses isolada no interior até que a história fosse esquecida.

Folheou mais uma página.

Deixou o livro na cama, levantando-se ao ver o primeiro feixe de luz escapar das cortinas grossas. Caminhou ao redor da cama de madeira rígida, aventurar-se pela escuridão era empolgante. Tinha ciência de que havia duas cadeiras, uma mesa de centro, um armário e uma penteadeira em algum lugar do quarto.

Carina começou a dançar, sentindo o ambiente estilo Sr. Darcy fazer parte de si. Ela estava lá. Seu corpo se movimentou no escuro, podia ouvir os galhos das árvores criarem atrito na janeira do cômodo ao lado, assim como a madeira ranger com as passadas dos funcionários no corredor, mesmo com a porta fechada.

Era a sinfonia da casa e Carina estava inebriada. Pulou na cama outra vez antes de fechar o livro e os olhos. Colocou-o na mesa de canto, ignorando o barulho seguido de algo caindo. Ela estava viva, respirando livremente o ar que a mantinha bem. Com um sorriso no rosto, dormiu as mil vidas que teria nas páginas dos livros. Até uma leitora voraz tinha seus momentos de descanso.

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