Arroz Fresco

O Sol se preparava para descansa. Deixava nos céus suas linhas alaranjadas. Linhas belas que iluminavam a vinda dos estudantes e trabalhadores para suas casas. Ele iluminava meu caminho até a chegada do portão de minha casa.  Eu movi, de forma sutil, aquela estrutura de aço, empurrei-a e depois a coloquei em sua posição original. Desci as escadas correndo, pois sabia que a melhor parte do meu dia estava para chegar.

Abro a porta com toda a força possível e corro para a cozinha, a fim de observar o maior fenômeno da terra. Já podia sentir seu cheiro atrativo, aquela que convidava a fome para dançar. E chamava como penetra a língua e os olhos para olhar aquela beleza. A cozinha tinha se enchido, os talheres e todos os utensílios da cozinha sabiam quem estava se preparando para o jantar.

Quando pus meus pés na cozinha, lá se encontrava a velha panela de ferro, borbulhando água e fazendo-a se mexer com toda a energia possível. Eu ficava preso lá olhando, quando surge, com os panos presos no cabelo e a teste repleta de suor, minha mãe, dona Francisca.

— Menino! Mal chega em casa, e já vai ver essa panela. Não beija nem a mãe, Ave Maria!  — Com as mãos cruzadas e o olhar sério mais focado em mim possível.

— Desculpe, mãe… Eu estava muito ansioso para comer esse seu arroz fresco. Ele estava comigo dia inteiro! Nas aulas e tudo — disse, justificando minha animação com o arroz fresco.

— Vamos fazer o seguinte, vai lavar as mãos e trocar de roupa, enquanto eu ponho a mesa. Lá você me conta como foi seu dia soou a voz de minha mãe em tom conciliador. Eu concordei.

Fui para o meu quarto, tirei as roupas da escola, repletas de seus cálculos, vírgulas e memórias escolares. Coloquei uma opção mais leve, composta por um short e uma regata de algodão vermelha. Minha mãe sempre fala: “como é bom usar roupas de algodão para o corpo respirar!”.

Quando volto à mesa, ela está decorada com uma toalha de cor azul, como o mar. Há uma ilhota, repleta de moradores iguais. Ali estava  uma travessa de arroz branquinho e fresco, cujo cheiro exalava pela mesa. Podia ver aquelas montanhas brancas com alguns marcadores verdes claros, eram os pontos de alho.

— Filho, vou demorar um pouco para ir à mesa. Estou esperando o resto da comida terminar de ficar pronta, mas enquanto isso pode ir me falando como foi seu dia — falou de longe.

— “Tá” mãe, eu vou comendo o arroz, enquanto o resto não fica pronto. — Eu já estava de mãos prontas para retirar o prato e a colher presa dentro do prato de arroz. As colheres saiam cheias, enchendo de pouco em pouco o prato. Em cima dele, aumentava o seu volume, crescia ali uma montanha branca, rica em grãos e sabor.

Antes de contar como fora meu dia, optei por algo mais simples, comer o arroz da minha mãe.  Coloquei uma colher na boca. Com uma textura suave e gostinho de amor materno, senti como se estivesse voltando a paz deixada quando sai de manhã de casa. Voltei a ter um pouco mais de esperança no mundo. O coração poderia deixar de lado todos os trabalhos e lições de casa e por um segundo descansar.  Prossegui na caminhada, comendo e curtindo a beleza daquele arroz fresquinho.

— Paulo Henrique! — A voz da minha mãe surge do nada e rasga meu estado de êxtase.

— O que foi mãe?— indaguei com minha boca cheia e olhos baixos.

— Você acabou com o arroz que coloquei, vou ter que por mais. — Ela riu, com um sorriso baixo.

— Em minha defesa, sou apaixonado pelo seu arroz. Hoje, ele me perseguiu as aulas todas. Na de língua portuguesa, quando a professora falava sobre dígrafos, quem aparece com dois “erres”, arroz! Na aula de história sobre a história do Brasil, a vinda do arroz para cá. E na geografia, falando como ele está presente na dieta dos orientais. Aí quando eu menos penso, ele aparece no meu trabalho de biologia. — A empolgação tomava conta de minha voz e junto de uma indignação cínica.

— No seu trabalho de biologia, era para estudar os grãos?

— Não. — Quando proferi a palavra, levantei-me e segui até minha bolsa, procurando um material dentro dela.  —O trabalho era sobre como as palavras podem afetar os outros seres vivos. Minha professora deu para cada um de nós alguns grãos de arroz. Nos pediu para colocarmos os grãos dentro de um tubo de ensaio com água. Devemos falar boas palavras para eles e observar o que acontece. Os chamei de “delícia” em homenagem ao arroz fresco — comentei, todo alegre, e retirei o tubo de ensaio da bolsa. Entreguei-os para ela.

Minha mãe se sentou na cadeira próxima à mesa e da travessa de arroz. Segurou-os com habilidade e cuidado e se atentou para aqueles grãos marinando na água. Ao notar que aqueles grãos estavam perto do meu arroz fresco, fui até minha mãe e rapidamente tirei dela o “delícia”.

— Que foi menino?— Ela não escondeu a expressão de espanto.

— Quer traumatizar o trabalho? Se eles virem o seu arroz fresco na panela pensarão que o destino deles é irem para o prato!

Segurei-me para não rir, mas os cantos dos meus lábios vacilaram e eu me juntei as gargalhadas de minha mãe.

1 thought on “Arroz Fresco”

  1. Não é simplesmente escrever qualquer coisa e publicar na
    internet. Obrigado pela informação. Vou compartilhar o seu
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