Entrevista com a autora Ane Costa

 

Aos sete anos, Ane Costa escreveu a história da boneca curiosa Lilica que saía da casa de bonecas para ver o mundo. Mais tarde, inspirada por fanfics, a fascinação pela escrita continuou. Tornou-se uma leitora ávida, faminta por histórias que a fizessem sentir todos os sentimentos do mundo. Ingressou na faculdade para estudar línguas e literaturas. A paixão pela literatura (tanto brasileira quanto estrangeira) guiou-a para um mestrado em literatura inglesa e um doutorado (em andamento) na universidade de Purdue nos Estados Unidos. Ane Costa está prestes a lançar seu primeiro livro, Eva. Vanguarda, que traz muito da sua trajetória como imigrante.

 

O primeiro a gente nunca esquece, mas aquele que compartilhamos é mais ainda! Vida de autor não é fácil, como foi sua experiência escrevendo em outras plataformas? Já conhecia sites como Wattpad ou Spirit?

O primeiro causa muita ansiedade mesmo. Eu comecei escrevendo fanfiction e publicava em plataformas online que nem existem mais. Isso lá para o ano 2000 – a internet era um bebê. Quando eu entrei para a faculdade e viajei, eu publicava uma versão de Eva. Vanguarda em um blog pessoal, mas tirei do ar tem alguns anos. Então quando eu descobri a Amazon, eu comecei a planejar o lançamento. Conheci a editora da qual hoje sou sócia, a Editora Livr(a), e as coisas finalmente começaram a acontecer. Como eu sou velha de guerra, o Wattpad me veio muito tarde. Mas acho uma plataforma fantástica para quem está se aventurando a escrever agora. Pode ser uma ótima maneira de conseguir novos leitores.

“Eva. Vanguarda” é seu primeiro lançamento! Conta como foi tirar da teoria das salas de aula e colocar em prática. Qual é a maior diferença?

“Eva. Vanguarda” é o primeiro romance, mas não a primeira história que eu escrevi. A escrita veio antes da teoria da escrita para mim, bem antes. Então, acho que por isso eu fiz o caminho contrário, ao invés de pegar a teoria e colocar em prática, eu peguei a prática e tentei identificar a teoria (se é que isso faz algum sentido). Por ser professora de literatura, o que eu consumo como leitora é muito diferente do que geralmente se torna “popular.” Longe de mim dizer que o que é “popular” é menos literatura – não acredito nisso mesmo! Mas acho que os livros populares eles são mais fáceis de “colocar na caixinha” e os leitores sabem o que esperar. Já os livros que eu leio, eles são mais “duros”. E isso, é claro, acaba indo para a nossa escrita. Essa é a maior diferença para mim.

Se pudesse descrever seu livro em uma palavra, qual seria?

Vanguarda. Hahaha. Brincadeiras à parte, acho que eu escolhi o nome perfeito para esse livro. Vanguarda tem dois significados importantes. Um é militar, que significa aquilo que está na frente, que inicia uma sequência, que é uma metáfora para a história da Eva que está no livro um de quatro. O outro sentido é nas artes e na literatura, e significa o rompimento com o tradicional, que apresenta conceitos novos. Não somente a Eva leva um rompimento dos parâmetros para a cidade de Vienna (onde ela vai estudar), mas o leitor também pode ter esse “estranhamento” com o livro, que vai ser tipo uma desconstrução do que significa a formação acadêmica, as relações sociais e até o romance. Então, Vanguarda é definitivamente a palavra para descrever esse livro.

Sei que x autorx vira mãe de todos os personagens, mas, de todos eles, qual é o que você mais gosta? Qual é o que você menos se identifica e por quê?

Eu amo todos eles mesmo, hahaha – mas eu amo de uma maneira bruta, porque eu amo fazê-los sofrer. Gosto muito da Eva, porque acho que ela tem muita coragem, e às vezes eu gostaria de poder dizer sem reservas o que estou pensando. Acho que todo mundo gostaria, no fundo. Mas ela paga um preço alto por isso, é claro. Também gosto muito da Angelina Johnson, porque ela é muito esclarecida. A personagem com quem eu menos me identifico, sem dúvida, é a Flora Smith. Não somente por ela ser uma mulher mais velha, de 60 anos, mas também por ela ser uma das principais antagonistas. As falas delas me causam muita dor e é geralmente algo difícil de escrever.

Ao ser diretora de uma editora, é possível comparar quando a versão Ane autora liga na hora do trabalho? Ou elas andam juntas o tempo todo?

Sou uma mistura interessante das duas, mas sou cri-cri tanto quanto diretora editorial tanto quanto autora. Trabalho cada linha do texto, então cada palavra, cada gesto, é intencional. Quando pego um texto que não é meu, o lema da empresa (Livr(a)) sempre me vem a cabeça. Recentemente, estava trabalhando com um livro com o qual não concordo. As visões da autora sobre o que é ser mãe e esposa eram completamente diferentes da minha. Mas o que eu entendo sobre empoderamento feminino é que ele precisa englobar diversas realidades. Cada vivência é uma, e cada vivência tem sua dor. Estamos vivendo em uma época de muita intolerância, onde uma palavra pode ser suficiente para incitar uma guerra, e isso é muito triste para mim, porque acredito demais que a gente precisa ser livre para dizer o que pensa, mesmo que a minha verdade seja diferente da sua, e – é claro – sempre lutando para que todas as vozes sejam ouvidas.

E gêneros? “Eva. Vanguarda” é um romance dramático ou um drama romântico? Qual é sua maior inspiração para desenvolver nessa categoria?

Ai, eu adoro essa pergunta. É muito difícil colocar Eva na caixinha (Vanguarda, lembra? haha). Mas Eva é um romance (apesar de tudo, ainda é um romance). Não diria que é um romance dramático, porque o livro é para ser leve (apesar de tudo, é para ser leve). A proposta do livro é que as coisas sejam apresentadas sem tabu, sem romantização, de uma forma mais crua, assim como a vida. Então, se você está esperando um romance do tipo que as pessoas se apaixonam perdidamente no olhar, não é esse tipo de livro. Mas também não é o tipo de livro em que está todo mundo sofrendo o tempo inteiro.

Adoro escrever sobre a vida como ela é. Apesar de eu ler fantasia como uma tarada, não sei se eu escreveria fantasia, porque eu gosto dos conflitos reais. Acho que não precisa de dragão, quando se tem um vizinho mafioso, ou cavalo que voa, quando se pode ter um Corvette vermelho. Então, me inspiro em tudo ao meu redor, nas minhas experiências passadas, nas experiências de pessoas ao meu redor, coisas que eu li (e eu já comentei que eu leio coisa muito forte, então já viu…).

Você também tem uma jornada parecia com a protagonista do livro. Quais seriam as maiores diferenças entre Eva e Ane?

Por pura coincidência – ou não – eu fui morar fora do Brasil pela primeira vez com 21 anos (idade da Eva em Vanguarda). Morei e estudei na Inglaterra e nos Estados Unidos nos últimos dez anos, e visitei diversos outros lugares. Assim como qualquer pessoa que mora sozinha fora do seu país, você vira, de uma hora para outra, uma folha branca e precisa fazer novas conexões. Então, muitas das experiências que ela tem, como relacionamentos amorosos e amizades intercontinentais eu também tive.

Eu e Eva somos muito diferentes, mas nem tanto. Nós duas temos um senso de justiça muito forte, daqueles que chegam a ser irritantes mesmo. Mas vejo a Eva como uma pessoa que está muito mais disposta a ir atrás do que ela acredita. Ela é muito mais teimosa do que eu. A primeira pessoa que me enchesse o saco no jornal que ela trabalha, eu já tinha jogado tudo para o ar, mas ela fica lá, ela tenta… Não vou falar mais, porque isso já está beirando a spoiler. Eva também tem muitas feridas que não tenho, ela sofre abandono afetivo – que eu graças a Deus não sofri, por exemplo.

Mesmo assim, Eva não é um livro autobiográfico, nem de perto. Apesar de trazer elementos que coincidem com a minha vivência, é uma história ficcional. Mas talvez por ser tão “real,” muitos leitores me dizem que as personagens vivem por aí, pode ser uma mãe, uma irmã, um namorado. Porque são baseadas em coisas que realmente acontecem.

Não acho que poderia escrever sobre algo que eu desconheço completamente, isso seria muito difícil para mim. Evidentemente, escrevo não só sobre as coisas que aconteceram comigo, mas sobre coisas que eu observo, sobre as vivências que existem ao meu redor. Meu último conto, por exemplo, veio de uma ideia maluca de um cara muito louco que eu vi no metrô, na última vez que fui à Nova York. Não sei se eu sei fazer ficção de outro jeito.

Além de romance, existe alguma chance de te vermos escrevendo outros gêneros? Se sim, quais seriam?

Ah sim, com certeza. Já tenho projetos para os próximos dez anos. Um deles será mais uma saga de romance – muito diferente de Eva. O livro um já está escrito, e os outros já estão planejados. Depois disso, tenho um sci-fi esperando na gaveta. Também já tem projeto de ser mais quatro livros (eu tenho alguma coisa com o número quatro, não sei). Esse sci-fi vai ser ambientado na Terra, depois da queda da humanidade, quando a Terra está sendo governada por outras criaturas que foram criadas pelos próprios humanos. Estou empolgadíssima e morrendo de vontade de escrever.

Okay, sei que este é apenas o primeiro livro de quarto, afinal, cada um retrata os anos na faculdade. Tem alguma previsão do lançamento do segundo? O que podemos esperar das (des)aventuras de Eva na Inglaterra?

“Eva. Vanguarda” é o livro 1 da saga da Eva por essa odisseia moderna, a universidade. O livro dois já está pronto e deve ser mandado para betagem logo no início do ano que vem. Posso adiantar que o título vai ter outra palavra que faz referência a um movimento artístico que quer dizer contradição. Então, vocês podem esperar muitas contradições no livro 2. Tudo que vocês sabem sobre a Eva… põe em uma caixinha, porque se os amigos estão com problemas para entender a garota, imagina o leitor…

Quer dar algum recado para quem vai embarcar em “Eva. Vanguarda”?

Bom, para quem vai embarcar em “Eva. Vanguarda” primeiramente, meu muito obrigada. A coisa mais preciosa para um autor é ser lido. Mas também exercite a empatia e o coração sem julgamento, porque esse livro é sobre isso em muitas formas, e nos fazer refletir se há realmente um certo ou errado, sobre o que significa ser somente “politicamente correto” sem fazer nada para mudar um sistema que oprime, e sobre o que é ter coragem para fazer o que se tem que fazer.

Obrigada pela entrevista!

Muito obrigada pela oportunidade de falar sobre meu livro, Anna. Adorei nossa conversa.

4 thoughts on “Entrevista com a autora Ane Costa”

  1. Eu amei essa entrevista. Tive o prazer de conhecer a história da Eva esse ano e fui arrebatado. Já estou esperando ansiosamente pelo 2. E a autora é um amor de pessoa, né gente?

    Super recomendo a leitura para quem gosta de livros que saem da caixinha e da receita de bolo.

  2. Parabéns pela entrevista Ane.
    Você está sempre se colocando como Eva Vanguarda, a frente do seu tempo, em posição de destaque, de defesa e empoderamento da mulher. Você brilhou.

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