Para toda Eternidade (2017) de Caitlin Doughty

É preciso falar sobre a morte, é necessário entender tal mistério para que ele deixe de ser só mais um tabu e passe a ser tratado com a normalidade que merece. Para Toda a Eternidade é um livro direto, sincero e que deve ser lido por todos. Caitlin vem nos mostrar que o distanciamento dessa verdade só é capaz de trazer sofrimento e ansiedade.
Num dos capítulos finais de Sandman, conhecemos a cidade necrópole de Litargo, local em que os moradores são especialistas em ritos fúnebres. Ali nos é contado sobre vários costumes culturais acerca da morte e aquelas imagens foram a primeira coisa que me vieram à mente quando comecei esse livro da Doughty.
É engraçado, porque lendo o Gaiman, imaginei que parte daqueles estranhos serviços funerários eram uma criação do autor, mas descobri em Para Toda a Eternidade que todos são verdadeiros e que há procedimentos ainda mais estranhos.
Eu descobri Caitlin Doughty quando a Darkside lançou cá no Brasil seu Confissões do Crematório. Tinha visto comentários sobre ele no Pipoca Musical e a premissa (além do ironicamente poético título em inglês – “Smoke Get in Your Eyes”) me chamou a atenção.
Devorei o livro praticamente de uma única tacada, Doughty tem o condão de tornar suas aventuras na indústria funerária não apenas tocantes, mas até divertidas, além de levantar vários pontos importantes para reflexão (tal como o fato de que a morte deixou de ser um assunto familiar para se tornar, bem, um negócio extremamente lucrativo).
O subtítulo explica muito bem do que se trata o livro. Doughty, ela mesma dona de um crematório nos Estados Unidos, viajou pelo mundo, observando os costumes fúnebres de diferentes culturas, comparando-os com a sua experiência.
De cremações em piras a céu aberto até famílias que mantém corpos mumificados em casa por anos, compostagem, crânios conselheiros e budas brilhantes – acompanhado das inspiradas ilustrações de Landis Blair -, há de tudo um pouco aqui.
Mais importante, porém, que anotar aquilo que outros poderiam considerar o bizarro e o macabro (porque aquilo que consideramos diferente da nossa norma cultural será muitas vezes classificado como ‘anormal’), o que ela investiga aqui é como essas culturas lidam com o luto e o que elas têm a nos ensinar sobre o assunto.
Enquanto alguns países tentam, a todo custo, separar os mortos dos vivos em uma vã tentativa de afastar a morte de uma realidade palpável, outras culturas mantém os corpos próximos, mesmo anos sem vida.
Esse estranhamento é uma das formas de mostrar que existe pluralidade no que diz respeito à morte, ou seja, não precisamos nos ater a uma forma de lidar com os corpos, a apenas uma maneira de negar a morte.
Caitlin também reforça que não podemos julgar a cultura do outro como “estranha” ou “moralmente inadequada”, já que a nossa própria cultura também pode ser mal interpretada por outros. O que podemos fazer é tentar alcançar a compreensão e, através do costume de outros povos, buscar modos de tornar o nosso processo de luto menos doloroso e mais tranquilo.
Pela segunda vez, Caitlin mostra como compreender, entender, assimilar e discutir a morte é a melhor maneira de respeitá-la e aceitá-la. Jamais nos libertaremos de um dos medos mais intrínsecos à existência se não desapegarmos do receio de se aproximar de morte, de vê-la como algo inerente à vida, de entender que nos preparar para ela é o caminho para uma vida mais consciente e significativa. Caitlin presenteia o leitor com um livro que pode mudar completamente a forma como enxergamos a morte e os cuidados pós-vida.
Terminei pensando em como gostaria que fosse meu funeral. De todos os costumes que ela mostrou ao longo do livro, a pira funerária ao ar livre e o enterro em que o corpo se transforma em adubo foram os que mais me interessaram. Quiçá daqui muitos anos eu tenha chance de escolher.

 

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