Depois do lançamento do majestoso Rainbow (2017), Kesha está de volta com High Road, seu quarto álbum de estúdio, lançado em 31 de janeiro de 2020 por meio das gravadoras RCA Records e Kemosabe. Além de trabalhar na composição de todas as músicas, a cantora assumiu o papel de produtora executiva do álbum, o que já havia feito anteriormente com o seu álbum anterior. Poderosa, né?
Em High Road, Kesha seguiu um processo de criação diferente de Rainbow. A cantora afirma que conseguiu se reconectar com a felicidade e a selvageria que sempre foi parte dela – e que foi bem apresentada em seu começo de carreira por meio de músicas como “Tik Tok” (2009). No desenvolvimento de High Road, a artista afirma ter se divertido como nunca havia o feito em produções anteriores.
Em resumo, podemos dizer que em Rainbow ela nos apresentou experiências sérias e devastantes que sofreu, mas em High Road ela quer mostrar que recuperou o seu amor pela vida.
Para tanto, ela teve auxílio de pessoas como Pebe Sebert (sua mãe), Wrabel (seu melhor amigo) e outros artistas como Tayla Parx, Nate Ruess (vocalista Fun) e Dan Reynolds (vocalista de Imagine Dragons) na composição das músicas.
Além disso, o álbum marca um retorno de Kesha para as suas raízes no pop: ela está cantando novamente músicas seguindo o dance-rap que ela tanto usou nos seus primeiros projetos. E isso é doido, High Road é uma mistura da Kesha country, R&B e gospel/soul da Era de Rainbow com a Kesha dance-rap e eletrônica (de quando era Ke$ha com o $, que foi retirado do seu nome artístico antes do lançamento do álbum Rainbow).
Imagina a mistura de “Tik Tok” com “Praying” (2017). Bem, isso é o High Road hahaha. Por isso, no decorrer do álbum encontramos influências em estilos como: pop, dance, rap, r&b, country, gospel, soul, folk e disco. Realmente apresentando uma versatilidade do caramba. Tem até música que se utiliza do tema do Super Mario Bros, como o caso da faixa “Birthday Suit”. E outra, como o caso de “The Potato Song (Cuz I Want To)”, que tem um mix de “cabaré” com comédia. Acredito que várias faixas desse álbum podem ser caracterizadas como imprevisíveis.
Em relação ao lançamento de faixas, temos “Raising Hell” como o single principal, lançado em outubro de 2019. Posteriormente, foram lançados “My Own Dance”, em novembro de 2019, e “Resentment”, em dezembro de 2019. Pouco antes do lançamento do álbum, em janeiro de 2020, foi lançado “Tonight”. O single que promove a Era High Road atualmente é a faixa título “High Road”, que teve a sua estreia casada com o lançamento do álbum.
High Road tinha 15 músicas listadas em sua tracklist oficial, porém Kesha finalizou uma música extra, “Summer”, cinco dias antes da estreia do álbum, decidindo que esta faixa iria entrar na tracklist, mas somente como uma faixa digital – até porque os CDs físicos já estavam todos impressos e praticamente no ponto para serem vendidos, não dava pra adicionar uma música do nada. Por isso, o álbum é composto por 16 músicas:
1 – Tonight
2 – My Own Dance
3 – Raising Hell (feat. Big Freedia)
4 – High Road
5 – Shadow
6 – Honey
7 – Cowboy Blues
8 – Resentment (feat. Brian Wilson, Sturgill Simpson e Wrabel)
9 – Little Bit of Love
10 – Birthday Suit
11 – Kinky (feat. Ke$ha)
12 – The Potato Song (Cuz I Want To)
13 – BFF (feat. Wrabel)
14 – Father Daughter Dance
15 – Chasing Thunder
16 – Summer
O álbum inicia com “Tonight”, que já mostra o conceitinho do projeto de cara. A canção inicia como uma baladinha bem linda e melódica, que lembra a vibe da Kesha de Rainbow, mas depois se torna uma música animada numa vibe de hip-hop com vocais de Kesha em estilo de rap que lembra a vibe da Kesha antiga. Pois é, de cara vemos o choque das duas personalidades haha.
Em “Tonight” tem umas harmonias meio esquisitas, que provavelmente podem fazer o público geral não gostar muito. Particularmente, achei a música esquisitinha pela confusão no estilo, mas curto o conceito por trás de tudo: a cantora quer mostrar que está de volta e preparadíssima para curtir esta noite ao máximo.
Em “My Own Dance”, Kesha menciona que os críticos na internet querem que ela volte a ser quem era no começo da carreira – musicalmente e socialmente. Isso pode ser visto na letra:
So, the internet called and it wants you back
But could you kinda rap and not be so sad?
Então, a internet ligou e ela quer você de volta
Mas você poderia fazer rap e não ser tão triste?
Contudo, a resposta da cantora a isso é: eu sou tudo o que eu quiser. Na música ela ressalta não “dançar” como os outros querem que ela dance pois ela “faz a sua própria dança” (“I only do my own dance”). E a própria dança de Kesha é ser tudo ao mesmo tempo – feliz, festeira, triste e reflexiva – não sendo possível colocá-la em um simples rótulo.
É legal ressaltar que a composição da música teve apoio de Dan Reynolds, vocalista do Imagine Dragons, que inclusive também tem uns backing vocals na faixa.
A faixa título, “High Road”, tem um significa duplo. Depois de ter lançado a canção “Praying”, as pessoas pensaram que Kesha seria uma pessoa que iria pegar o caminho por cima (que é uma tradução literal para a palavra “high road”), ignorando todo o ódio que já teve e sendo superior a ele. Contudo, a cantora afirma que aconteceu o contrário: ela ficou muito incomodada com todo o ódio e com as pessoas falando como ela deve ser, agir ou se portar. Por isso, ela optou por ficar chapada, ser irônica e rir de tudo.
Considerando que ficar chapado em inglês é ficar “high”, então “high road” pode também se referir a ficar chapado. A ambiguidade entre as palavras “alta” e “chapada” pode ser notada na letra:
I’m taking the high road, I’m high as f*ck
Eu estou pegando o caminho mais alto, chapada para c#%$lho
A canção é mais um rap-dance com um refrão melódico, semelhante à “Tonight”. Ela foi escolhida para ser o título do álbum porque essa ironia e ambiguidade combinam com o conceito de todo o projeto, que como já deve pra notar vem misturando as personalidades da cantora.
Depois de várias faixas com influências no rap-dance, encontramos “Shadow”, uma balada poderosa com influências em r&b e gospel, bem na vibe de Rainbow. Para mim, é um destaque no álbum. O engraçado da faixa é que, apesar da pegada de música calma e meio triste, ela é recheada por comentários irônicos e engraçados de Kesha:
And I love singing ‘f*ck’ in all my songs
‘Cause the only people who got time to get offended
Are the ones who’ve probably never gotten off
E eu amo cantar ‘p*rra’ em todas as minhas músicas
Porque as únicas pessoas que tem tempo para ficarem ofendidas
São as que provavelmente nunca tiveram um orgasmo
Na faixa, a cantora fala para os haters simplesmente saírem da frente dela, deixando-a viver a vida dela plenamente. Ah, de fato ela canta muito a palavra “fuck” nas músicas do High Road: a palavra aparece 35 vezes no decorrer do álbum (em 13 das 16 músicas).
Apesar do tom de ironia e brincadeira em várias músicas, o álbum também tem assuntos tratados de forma séria em algumas músicas. Um exemplo é a vulnerável “Father Daughter Dance”, que é um mergulho na relação de Kesha com o seu pai, o qual ela nunca conheceu e, por isso, nunca terá uma “dança de pai e filha”. Inclusive, a cantora reflete sobre o fato de sentir tristeza e saudade por algo que ela nunca teve. Além disso, a balada carrega também a ideia de que se ela tivesse a presença do pai em sua vida, ele poderia ter impedido o acontecimento de várias merdas que rolaram no decorrer da vida dela.
Kesha não planejou colocar a música no álbum, mas seus amigos insistiram em dizer que ser uma mulher forte não significa não ter vulnerabilidades ou simplesmente não ter forças às vezes.
“Resentment” é outra música com uma composição séria. A faixa é uma balada country bem simples, mas com uma composição lírica forte, que apresenta um relacionamento abusivo que Kesha viveu.
Em “BFF”, Kesha canta com seu grande amigo Wrabel. E sim, BFF é Best Friends Forever haha, é realmente uma faixa sobre amizade. No decorrer da música os dois vão contando vários momentos que eles viveram juntos – bons e ruins -, com o intuito de dizer que ter um melhor amigo é algo fantástico. É muito fofooo! Sobre a sonoridade, a faixa é um r&b com elementos da música trap e com uns sintetizadores que dão uma vibe etérea de “sonho”.
Outro destaque para o álbum é “Honey”, uma música com influências no r&b/soul com versos em forma de rap e com um refrão acompanhado por um coral. A faixa é endereçada a alguma ex-amiga que traiu Kesha. Tem muita fofoca aí por trás dessa briga, que pode ter me deixado cheio de curiosidade por querer saber mais, mas também me deixou grato porque a música é foda.
Em “Kinky” temos uma colaboração de Kesha com Ke$ha, que aparece no álbum como artista convidada haha. Contudo ela só é, obviamente, cantada por Kesha, que faz vocais diferentes em alguns momentos, fazendo uma homenagem ao começo de sua carreira. A música tem influências no disco music e fala sobre fetiches e relacionamentos abertos, atacando a monogamia haha.
O single principal, “Raising Hell”, mistura elementos do gospel com o eletrônico e o funk americano. O conceito da música é: balançar o rabo com muito amor próprio e fazendo o que lhe faz feliz.
Esse conceito surge da história que Kesha teve com a igreja, que frequentou muito quando mais nova, mas se afastou depois de se sentir mal por ter visto várias pessoas sendo excluídas ou atacadas por religiosos por causa da sexualidade. Porém, hoje em dia, Kesha acredita que espiritualidade não depende da sexualidade, desenvolvendo, então, a sua própria crença.
A cantora fala que tenta sempre começar o dia ouvindo uma música que lhe faça rebolar bem muito, pois isso lhe dá animação e forças para seguir com o dia. E é isso que ela quer que “Raising Hell” seja: um hino que empodere LGBTQ+s e os façam rebolar a bunda que Deus lhes deu.
Can I get an amen?
This is for the misfits of creation
Take this as your holy validation
You don’t need to hide, we’re celebratin’
This is our salvation
Posso ouvir um amém?
Essa é para os desajustados da criação
Tomem isto como uma validação divina
Vocês não precisam se esconder, nós estamos celebrando
Essa é a nossa salvação
Acredito que “Summer” ficou mal encaixada na ordem do álbum (como a última faixa), provavelmente por ter sido feita 5 dias antes do lançamento de tudo, né? Digo isso porque “Chasing Thunder”, a penúltima faixa, é fantástica para encerrar High Road.
“Chasing Thunder” é um musicão com uma linda vibe positiva, inspirada no folk e misturada com elementos do gospel. Nesta faixa, Kesha fala que é um espírito livre que vai continuar, pelo resto de sua vida, “perseguindo o trovão”, que parece ser uma maneira de dizer que ela vai viver plenamente, aproveitando o máximo que puder de todos os momentos, sejam eles bons ou ruins. De fato, um ótimo jeito de fechar o álbum.
Depois de ouvir o High Road completo, posso dizer que é fantástico que Kesha tenha voltado às suas raízes sonoras com maturidade. Ela não só revisitou a sonoridade antiga como a atualizou com as suas novas experiências. Isso tudo pode proporcionar um álbum que nos mostra Kesha como uma cantora versátil e talentosa, que está pronta para se divertir de novo, o que é um bom sinal pois nos indica que ela está feliz consigo mesma.
Infelizmente a grande mistura de estilos musicais gera um álbum com pouca coesão, o que poderia ser resolvido através do corte de 3 ou 4 faixas, mas isso não atrapalha nada na curtição do projeto como um todo.
A versatilidade da cantora também pode ser vista nos tipos de humor que a cantora nos apresenta: ela não só consegue nos fazer rir e visualizar a ironia, como também ela nos faz chorar e sentir nostalgia.
O lado negativo do álbum está no fato de Kesha jogar em algumas faixas as suas duas personalidades, o que nos proporciona músicas com sonoridade bem confusa. Isso pode ser legal por causa do experimentalismo e da originalidade, mas ainda assim algumas das surpresas das faixas mais doidas me deram reações mais negativas do que positivas.
De qualquer forma, High Road me deu músicas que já me viciei. As minhas favoritas são: “Raising Hell”, “Shadow”, “Honey”, “Cowboy Blues”, “Resentment”, “BFF”, “Father Daughter Dance” e “Chasing Thunder”.